sexta-feira, 28 de junho de 2013

Acordar tem som de poesia.(AUTORA: Débora Aladim)

Poesia.
A vida pra mim tem gosto de poesia.

Sabe os pintinhos? Quando acordam veem a galinha que chocou seus ovos, e imediatamente seus cérebros minúsculos os dizem que ela é sua mãe e eles a seguem para sempre. Se quando o pintinho sair do ovo ele ver um pato antes de sua mãe galinha, vai achar que ele é sua mãe, vai seguir o pato até o rio e morrer afogado. Simplesmente porque foi o pato que ele viu depois de nascer, como um amor a primeira vista.

Meu “amor a primeira vista” foi a poesia.

Sim, eu sei que nunca gostei de poesia, mas sou apenas um pintinho, e quando acordei só conseguia ouvir poesia. Versos e versos se misturavam em um mar de ilusões que era a minha visão turva e borrada. Conheço essa sensação, já vivi isso antes.

Entrei em coma e acabei de acordar.

Olhei para o lado e tentei procurar de onde vinha o som, e antes mesmo de ver a silhueta fina e o contorno desfocado de seus cabelos anelados já reconheci Alice, lendo poesia pra mim.

Não me chame de plagiador, por tirar isso da boca de outro autor, mas posso afirmar que,naquele momento, ela era o borrão mais lindo que eu já vira.

Minha visão foi se aguçando, e pude distinguir a capa vermelha do livro que ela estava lendo pra mim. Poesia, obviamente, porém um de seus livros favoritos, um que ela grifou do início ao fim e possui mais anotações nos rodapés que palavras impressas. Ela costumava recitar alguns versos daquele livro enquanto dormia em alguma aula ou quando se concentrava bastante. Recitava tanto aqueles versos que eu fui capaz de acompanhar a sua leitura, observando seus cabelos ficarem brilhantes quando o sol batia neles e seus ombros se movendo delicadamente enquando ela respirava ritmicamente.

Com a mão esquerda ela segurava o livro, com a mão direita, segurava a minha mão, os dedos roçando nas agulhas que penetravam minhas veias. Sua pele era quente, e sua mão era macia. Eu senti vontade de colar nossas mãos umas nas outras, para nunca deixar de sentir seu toque macio, e seus dedos longos que se encaixavam perfeitamente nos meus, como peças de um quebra cabeça que possui mil peças, mas apenas uma se encaixa com perfeição.

Eu era o quebra cabeça, bagunçado e confuso, e ela era a peça que se encaixava perfeitamente em mim e trazia o equilíbrio de volta, completando o desenho. O quebra cabeça possui mil peças, mas sem aquela peça nunca será completo.

- Meu verso é sangue/ Volúpia ardente/ Tristeza esparsa/ Remorso vão/ Me arde nas veias, amargo e quente... – Ela começou a recitar com os olhos fechados, pois sabia o poema de cor.
- ... e cai, gota a gota do coração. – completei com a voz fraca

Ela se assustou com meu despertar repentino, e seus olhos cor de chocolate se arregalaram.

Ela soltou a minha mão.

- Você acordou! Ah, meu Deus! Eu achei que você estivesse... – Ela começou a gaguejar, completamente linda e confusa.
- Não... – disse tão baixo que soou como um sussurro
- Não o que? – ela disse, se aproximando de mim para ouvir minha voz rouca
- Não solte. – disse, e arrastei minha mão pelos lençóis e peguei a dela. Ela soltou uma risada, e apertou minha mão com mais força, seus olhos estavam cheios de lágrimas.
- Nunca. – Ela sorriu e beijou minha testa com delicadeza. Meu coração bateu mais forte e por um segundo achei que as ondas do monitor cardíaco fossem explodir.

O tempo passou, e ela leu mais um livro. Conversamos sobre minha recuperação, meus delírios durante o coma, e sobre poesia. Agora eu amava poesia. O tempo passou rápido, e ela se deitou ao meu lado durante a noite, e se divertiu subindo e descendo a cama de hospital, e apertando todos os botões que encontrava. Caímos no sono, ela estava deitada em meu peito enquanto minha mão brincava com seus cabelos. Ela sorriu. Meu coração batia tão rápido que ela conseguia senti-lo. Não resisti, e a observei dormir, como um anjo. Ela era o meu anjo, e ali, sentindo seu calor em meus braços eu não queria estar em nenhum outro lugar. Seja em uma cama de hospital, em um hotel 5 estrelas ou seja lá onde for, eu percebi que queria dormir ao seu lado todas as noites, todos os dias. Acho que isso é amor.

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